segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A luta pela democracia e o Balcão de Pedra



               Vivíamos atormentados pelo clima  de medo, de incertezas, de terror  e de desconfiança  porque a ditadura Militar alem de manter policiais civis e militares fortemente armados em todas as esquinas e becos monitorando o vai e vem das pessoas, infiltrava, também, dezenas de informantes em todas as repartições, escolas e locais de grande afluência de púbico  para captar qualquer conversa ou atitude contraria ao regime militar. Viviamos no estado de exceção onde os direitos fundamentais  para a dignidade humana não eram garantidos pelo estado 






Na longa noite  escura que se abateu sobre o Brasil sob às rédeas da ditadura Militar de 1964 à 1985, onde foram cerceadas todas as formas de manifestação do livre pensamento e até mesmo o direito fundamental de ir e vir, uma das atitudes para se suportar o tédio era na mesa de  bar onde se podia sonhar, divulgar as atividades, shows e eventos em prol da democracia  e falar baixinho do nosso desejo de que o período das trevas sucumbisse e  voltássemos  a ter liberdade e viver em plena democracia. 

Nos anos 70, eu morava no Hotel Avenida, na Avenida Brigadeiro Luís Antonio, na capital de  São Paulo, e frequentava diversos bares do centro da cidade sendo o “Balcão de Pedra”,  localizado entre o largo do Arouche  e  a  Avenida Amaral Gurgel, o bar preferido nos finais de semana, onde se podia degustar algumas comidas típicas nordestina, ouvir os clássicos da MPB, ao vivo, e trocar ideias com alguns amigos.

Vivíamos atormentados pelo clima  de medo, de incertezas, de terror  e de desconfiança  porque a ditadura Militar alem de manter policiais civis e militares fortemente armados em todas as esquinas e becos monitorando o vai e vem das pessoas, infiltrava, também, dezenas de informantes em todas as repartições, escolas e locais de grande afluência de púbico  para captar qualquer conversa ou atitude contraria ao regime militar. Viviamos no estado de exceção onde os direitos fundamentais  para a dignidade humana não eram garantidos pelo estado e o direito a reunião era proibido não podendo juntar mais de três pessoas numa rodinha de amigos. Conversávamos baixinho com os amigos sempre preocupados porque os espiões dedos duros  podiam estar do nosso lado! Perdi  amigos e amigas que desapareceram misteriosamente e nunca tivemos nenhuma informação sobre eles. A partir das 23 horas, as pessoas permaneciam trancadas em suas casas e as ruas ficavam desertas ocupadas  apenas por policiais ...

Daquela época guardo recordações de alguns amigos e amigas que frequentavam o “Balcão de Pedra”.Lembro-me com saudades das irmãs Rosa Sá, Dalva e a Vera Sá Barreto; o Ivan Carvalho, o sociólogo Carmo Rodrigues Aquino, a Nájla Corazza, a Liliam Teles e outros que já citei noutra Crônica.

O “Balcão de Pedra” era frequentado por mais de duzentas pessoas nos finais de semana começando na sexta-feira, à noite, para beber, conversar e ouvir uma boa música do repertório da MPB, ao som do violão e das vozes do Valdir Fonseca e da namorada dele a Marly.

Recordo-me que numa ocasião motivada por uma denuncia anônima de vizinhos, mais de uma dezena de viaturas da policia militar de São Paulo, com seus ocupantes fortemente armados ordenaram para que todos frequentadores saíssem do recinto com as mãos sobre a cabeça para serem revistados e outro grupo de policiais adentrou ao Balcão de Pedra a procura de armas e drogas.

Naquela sexta-feira fazia muito calor na capital paulistana e o bar estava superlotado e eu que havia trabalhado duramente a semana inteira fazendo horas extras na fábrica de bijouterias Carpam estava sequioso e faminto degustando um saboroso sarapatel e bebendo uma cerveja pelo gargalo da garrafa por falta de copos devido a superlotação de pessoas no bar, ao invés de sair do recinto fui caminhando para os fundos quando fui abordado por um cabo da PM que mesmo verificando a minha documentação, a carteira profissional registrada na empresa onde trabalhava e examinado as minhas mãos calejadas de trabalhador deu-me voz de prisão conduzindo-me a delegacia do bairro de água branca juntamente com diversos frequentadores do Balcão de Pedra.

Antes de chegar a delegacia a viatura parou em outros bares para abordagem das pessoas e numa dessas abordagens deram voz de prisão  a um cidadão de cor negra que se dizia trabalhar de pedreiro e era oriundo do interior de Pernambuco, recém-chegado a capital de São Paulo e que havia passado 30 dias dormindo no canteiro de obras e estava levando um pacote de queijo para presentear a esposa dele grávida de oito meses.

Ao chegar a delegacia o pedreiro não encontrou o pacote de queijo e começou a xingar os policias pela falta do queijo.

As cinco horas da manhã depois das averiguações o delegado autorizou a nossa soltura, porem, o negrão pedreiro não fora liberado e alguns policiais afirmaram que o pedreiro iria levar uma surra por ter acusado os mesmos de terem sumido com o queijo dele.

Para mim foi uma experiência muito desagradável e desgastante ter sido detido sem ter praticado  nenhum delito ou atitude suspeita e ter permanecido por mais de cinco horas numa delegacia de policia dentro de um “chiqueirinho” ao lado de alguns trabalhadores e a maioria de marginais que contavam as suas aventuras e crueldades praticadas contra as suas vítimas     e urinavam no ouvido de outros comparsas deles enquanto dormiam.

Naquela sexta-feira, uma grande quantidade de mulheres e travestis foi detida durante a noite e madrugada e pela manhã foram obrigadas a fazer a limpeza e lavar todos os sanitários e demais  dependências da delegacia.

Escrito por Cláudio Lima.

Café com Claudinha  - recordações de 40 anos de militância política.





Nenhum comentário:

Postar um comentário