Ninguém perde a batalha, por Silvia Bessa
Steve
Jobs, o revolucionário da informática, perdeu a batalha contra o
câncer. O tenente- coronel venezuelano Hugo Chávez; Dominguinhos,
herdeiro musical de Luiz Gonzaga; o ex-presidente da República José
Alencar; e agora há pouco o jornalista radicado em Pernambuco Paulo
Sérgio Scarpa, idem – disseram os noticiários. Só acho que os redatores
esqueceram que escreviam sobre pessoas e para pessoas. Do contrário, não
se justifica a repetição da frase “perdeu a batalha contra…”. Pensem
bem: o sujeito passa uma vida inteira procurando ter sucesso ou
liderança, ou apenas garantir a sobrevivência, matando sabe-se lá
quantos leões por mês, enfrenta uma enfermidade e amarrota os sonhos e
aí vê sua existência encerrada por um de nós com a imagem de perdedor?
Fadados
aos clichês e a buscar escrever e reescrever mais do mesmo, somos
injustos. Se vocês procurarem nos meus arquivos e encontrarem essa
tolice, me condenem. Vou merecer. Hoje quase não creio que ainda exista
editor e revisor permissivo ou desatento ao ponto de deixar passar
parágrafo lido ou escrito começando com “o fim da novela”, “foi como um
soco no estômago”, “com bandeiras na mão” ou frases parecidas com essas
que são achadas na internet. Jornalista precisa ter cuidado com clichês,
sempre ouvi isso. Se o profissional ou estudante abrir manuais de
redação das grandes empresas, lerá recomendações para fugir deles, mas
parece que de nada valem.
E
quando o problema está nas ideias-clichê, que vão além das frases de
efeito (que nem têm mais efeito)? O cantor Lobão reclama ser vítima
desse erro, no qual jornalistas insistem em reduzi-lo a um roqueiro
extravagante. Nós, jornalistas, também somos vítimas, perseguidos pelo
pensamento repetitivo ou óbvio muitas vezes. Há pouco me deparei com um
exemplo interessante: o de Caio Moreira Guimarães, que foi eleito pela
revista Forbes um dos jovens com menos de 30 anos mais influentes do
Brasil. Está na lista depois de ter desenvolvido pesquisas nos Estados
Unidos e ter criado um emissor de luzes capaz de tratar infecções
bacterianas resistentes a antibióticos.
O
rapaz viajou e foi financiado pelo Ciência Sem Fronteiras, do governo
federal. Grandes feitos de um aluno vinculado a um programa genial. O
que os grandes sites jornalísticos noticiaram foi um detalhe, a meu ver,
bem clichê: Caio é filho de Mariza, que até a data de fechamento desta
coluna continuava confinada na casa do Big Brother Brasil, da TV Globo.
Foi esse o pedaço da história que ganhou destaque.
Como
diz Geneton Moraes Neto, mestre que sempre sai com frases certeiras, há
os derrubadores de pautas – que gostam de argumentar “Fulano já deu tal
matéria”; e há os levantadores – aqueles que acreditam sempre existir
maneira melhor para falar sobre o mesmo assunto. Quando leio
frases-clichê ou ideias-clichê, me sinto a mais ingênua de todas. Mas
prefiro assim e desejo que o botão do automático de todo redator se
quebre para que não se faça a disseminação do modo mais rápido de
produzir notícia.
Silvia
Bessa é repórter especial do Diário de Pernambuco. Escreve sobre
questões sociais e direitos humanos no Nordeste.
silviabessape@gmail.com.
Fonte: REVISTA IMPRENSA
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