quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Ninguém perde a batalha, por Silvia Bessa

Silvia Bessa | 01/04/2015 14:15
Crédito:Leo Garbin
 

 

Steve Jobs, o revolucionário da informática, perdeu a batalha contra o câncer. O tenente- coronel venezuelano Hugo Chávez; Dominguinhos, herdeiro musical de Luiz Gonzaga; o ex-presidente da República José Alencar; e agora há pouco o jornalista radicado em Pernambuco Paulo Sérgio Scarpa, idem – disseram os noticiários. Só acho que os redatores esqueceram que escreviam sobre pessoas e para pessoas. Do contrário, não se justifica a repetição da frase “perdeu a batalha contra…”. Pensem bem: o sujeito passa uma vida inteira procurando ter sucesso ou liderança, ou apenas garantir a sobrevivência, matando sabe-se lá quantos leões por mês, enfrenta uma enfermidade e amarrota os sonhos e aí vê sua existência encerrada por um de nós com a imagem de perdedor?

 

 

Fadados aos clichês e a buscar escrever e reescrever mais do mesmo, somos injustos. Se vocês procurarem nos meus arquivos e encontrarem essa tolice, me condenem. Vou merecer. Hoje quase não creio que ainda exista editor e revisor permissivo ou desatento ao ponto de deixar passar parágrafo lido ou escrito começando com “o fim da novela”, “foi como um soco no estômago”, “com bandeiras na mão” ou frases parecidas com essas que são achadas na internet. Jornalista precisa ter cuidado com clichês, sempre ouvi isso. Se o profissional ou estudante abrir manuais de redação das grandes empresas, lerá recomendações para fugir deles, mas parece que de nada valem.

 


E quando o problema está nas ideias-clichê, que vão além das frases de efeito (que nem têm mais efeito)? O cantor Lobão reclama ser vítima desse erro, no qual jornalistas insistem em reduzi-lo a um roqueiro extravagante. Nós, jornalistas, também somos vítimas, perseguidos pelo pensamento repetitivo ou óbvio muitas vezes. Há pouco me deparei com um exemplo interessante: o de Caio Moreira Guimarães, que foi eleito pela revista Forbes um dos jovens com menos de 30 anos mais influentes do Brasil. Está na lista depois de ter desenvolvido pesquisas nos Estados Unidos e ter criado um emissor de luzes capaz de tratar infecções bacterianas resistentes a antibióticos.

 


O rapaz viajou e foi financiado pelo Ciência Sem Fronteiras, do governo federal. Grandes feitos de um aluno vinculado a um programa genial. O que os grandes sites jornalísticos noticiaram foi um detalhe, a meu ver, bem clichê: Caio é filho de Mariza, que até a data de fechamento desta coluna continuava confinada na casa do Big Brother Brasil, da TV Globo. Foi esse o pedaço da história que ganhou destaque.

 


Como diz Geneton Moraes Neto, mestre que sempre sai com frases certeiras, há os derrubadores de pautas – que gostam de argumentar “Fulano já deu tal matéria”; e há os levantadores – aqueles que acreditam sempre existir maneira melhor para falar sobre o mesmo assunto. Quando leio frases-clichê ou ideias-clichê, me sinto a mais ingênua de todas. Mas prefiro assim e desejo que o botão do automático de todo redator se quebre para que não se faça a disseminação do modo mais rápido de produzir notícia.

 

 

Silvia Bessa é repórter especial do Diário de Pernambuco. Escreve sobre questões sociais e direitos humanos no Nordeste. silviabessape@gmail.com.

 

Fonte:  REVISTA IMPRENSA

 

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