“Vou dar um exemplo que me chocou. Fui a uma reunião de pauta do Jornal Nacional, e o William Bonner liga para o Gilmar Mendes, no celular, e pergunta. ‘Vai decidir alguma coisa de importante hoje? Mando ou não mando o repórter?’. ‘Depende. Se você mandar o repórter, eu decido alguma coisa importante.’”
Por Paulo Nogueira*, no DCM
Telefone de Bonner para Gilmar Mendes
É um trecho de um livro de um professor da USP, Clóvis de Barros Filho. O nome é Devaneios sobre a atualidade do Capital¹.
Barros fez parte de um grupo de acadêmicos convidados a presenciar, uns
anos atrás, uma reunião de pauta do JN. A parte do livro em que ele
descreve o diálogo jornalística e juridicamente criminoso narra o que,
segundo ele, são as relações espúrias entre braços diversos da
plutocracia nacional para a manutenção de mamatas e privilégios de uns
poucos.
Candidamente, Barros Filho se declara “chocado”.
Livro: Devaneios sobre a atualidade do Capital, página 122
Jornalismo à Globo
O que mais me chama a atenção é que Bonner não tenha se dado conta da
monstruosidade que estava cometendo na frente de testemunhas.
É uma demonstração do tipo de jornalista que a Globo criou ao longo dos anos.
O pior pecado depois do pecado é a publicação do pecado, escreveu Machado. Bonner cometeu o pecado e o publicou sem pudor.
Note que a missão do JN estabelece que se deve publicar o que de mais
relevante aconteceu no dia, no Brasil e no mundo, com isenção.
Isenção, nos Planetas Bonner e Globo, é telefonar para um juiz
visceralmente comprometido politicamente e combinar o que será ou não
será notícia para milhões de desavisados que, em sua ingenuidade obtusa,
acreditam que o Jornal Nacional publica verdades.
Penso em Bonner e lembro de Johnson, presidente norte-americano que não
hesitava em chamar subordinados para despachar quando estava na privada.
Agia como se estivesse no Salão Oval, ou coisa parecida.
Figurativamente, Bonner estava na privada quando, diante de acadêmicos,
ligou para Gilmar para combinar o que seria, ou não, assunto para o
Jornal Nacional.
Se o despudor e a falta de noção de Bonner podem surpreender, de Gilmar não se espera nada de decente.
É um juiz vergonhoso. É uma infâmia vestida de toga. É um homem sem
caráter que não hesita em levar sua militância política para a corte
mais alta do Brasil.
Na linguagem do futebol, Gilmar seria aquele juiz tão canalha que, numa
partida, não se contentaria somente em apitar para o seu time. Vibraria,
também, a cada gol marcado.
O futebol se livrou de juízes como Gilmar.
Quando o Brasil se livrará, em suas cortes, de militantes políticos que
desmoralizam a Justiça e colocam em risco o próprio sentido da
democracia e do Estado de Direito?
Gilmar, nestes dias, foi conspirar abertamente pelo golpe em Portugal, junto com seu miquinho amestrado Toffoli.
Ninguém fala nada?
Colegas seus do STF, sabe-se, manifestaram seu agrado. Mas aos sussurros, e não aos berros, como o episódio demandava.
O que bons juízes como Teori e Barroso parecem não perceber é que se
omitir diante de Gilmar é dar-lhe força e contribuir para a tenebrosa
imagem da Justiça brasileira.
¹O livro Devaneios sobre a atualidade do Capital é uma
compilação – revista e atualizada – de uma série de conferências do
professor Clóvis de Barros Filho, autor dos best sellers A Vida que vale apena ser vivida e A Filosofia explica as grandes questões da humanidade, sobre o pensamento de Karl Marx. Nesta
obra, O professor Clóvis de Barros Filho e seu colega Gustavo Dainezi
explicam e refletem a respeito da famosa obra marxista O Capital.
Com uma linguagem bastante acessível, e próxima à oralidade, os autores
buscaram fazer com que o leitor se sinta dentro da sala de aula. Em
seus oito capítulos, o livro atravessa o essencial do pensamento de Marx
n'O Capital e reflete sobre a sua atualidade, ponderando sobre
os meios de comunicação, a religião, a educação, a linguagem e o Estado.
Uma leitura agradável e enriquecedora, recomendada a todo o leitor que
desejar conhecer um ponto de vista único sobre o mundo, da maneira única
que só a chancela de Clóvis de Barros Filho é capaz de entregar.
*Paulo Nogueira é jornalista, fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo (DCM)
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