A semelhança não pára aí. O
clássico filme incendiário de Glauber foi apresentado pela primeira vez, em
sessão fechada, no Rio de Janeiro, quatro dias depois do comício de Jango, na
Central: 17 de março de 64. Agora, com uma notável atuação de Sonia Braga
(ressaltada pela mais respeitada crítica internacional) Aquarius, libelo contra a especulação
imobiliária desenfreada que desfigura as grandes cidades brasileiras, parece
simbolizar aquilo em que está se transformando a sociedade brasileira como
escreveu o crítico do jornal britânico The Guardian, Peter Bradshaw: "Essa
rica e misteriosa história brasileira é sobre desintegração social".
Para ele, o roteiro,
escrito por Kleber, sobre uma mulher de 66 anos, crítica musical aposentada, em
pé de guerra contra uma construtora que quer demolir o prédio em que mora, é
"linda" e "surpreendente."
Já o crítico brasileiro e
editor do site Filme B, Pedro Butcher, lembra que o diretor tem um ”controle
absoluto do cinema”, demonstrado em O
Som ao Redor, seu primeiro longa- metragem de ficção.
"Toda a mídia do
Brasil falou sobre o gesto do protesto,” observa surpreso, o autor de Aquarius, que também é roteirista,
tem formação jornalística e já exerceu a crítica de filmes, a respeito do
protesto e da denúncia do elenco no tapete vermelho do festival.
“Aproveitar os holofotes de
Cannes deu certo", disse nas primeiras entrevistas concedidas depois da
exibição oficial. “O filme é de resistência e é um pouco um filme de
sobrevivência; mas mais ainda se trata de um filme sobre a energia necessária
para existir. Às vezes cansa, mas há que encontrar mais energia para continuar
a lutar. Penso que a Sônia entendeu isso logo”.
Outro diretor brasileiro
que se apresenta em Cannes este ano, na categoria de documentário, com o
filme Cinema Novo, Eryk Rocha,
filho de Glauber, comenta que o atentado à produção de cultura sofrida pelo
país, neste momento, “revela a falta de visão e de dimensão estratégica da
importância da cultura e da educação no Brasil. E talvez elas sejam as duas
coisas mais importantes do mundo contemporâneo no século 21. São questões
estratégicas de Estado de muitos países desenvolvidos, como aqui na França, e
essa fusão de ministérios, no Brasil, revela uma miopia, uma falta de projeto,
tanto de cultura quanto de educação.” Eryk foi outro que, em suas entrevistas,
se mostrou radicalmente contra o impedimento da presidente Dilma e denunciou o
golpe.
Na trama, que como afirma o
The Guardian, é, de certa forma, uma metáfora do Brasil, “abordando temas como
nepotismo, corrupção e cinismo”, Sonia Braga, no seu desempenho do personagem
de Clara, brilha e deixou
fascinados os críticos presentes ao festival. “Clara já é uma das heroínas mais revolucionárias do cinema
brasileiro, uma mulher forte como não se encontra no cinema nesta faixa
etária: na sua potência como mãe, na sua potência profissional, na sua potência
erótica,” louvou o jornal português O Público.
A inesquecível Dona Flor, por sua vez, comenta: “O
problema é com os ricos. Querem tirar a todos tudo o que eles têm e querem
fazer as cidades feias,” ela acrescentou, no encontro com a mídia, à afirmação
do ator Humberto Carrão, outro do elenco de Aquarius, que fala da “falta de educação dos ricos.” Ambos se
referiam ao contexto da personagem no filme, uma sexagenária, a única habitante
de um edifício na Praia da Boa Viagem, no Recife dos anos 40, que, não querendo
abandonar as suas memórias, torna-se “um foco de resistência para os projetos
de uma imobiliária e da sua ferocidade,” como diz O Público.
Outros calorosos elogios
vêm da revista americana Variety, uma das mais importantes da indústria
cinematográfica. Para ela, Sonia está "incomparável" no papel
de Clara. O autor do
texto, Jay Weissberg, definiuAquarius como
um filme "mais sutil, mas não menos maduro" do que O som ao redor, de quatro anos atrás.
Para a jornalista Letícia
Constant, do Le Monde, o longa é um forte candidato na corrida pela Palma de Ouro. E a conceituada crítica de cinema
do jornal, Isabelle Regnier, considerou Aquarius o
melhor filme exibido até agora na competição oficial. O jornal escreve que o
diretor pernambucano enfoca os problemas do Brasil contemporâneo com beleza e
musicalidade.
Ela considera um gesto
"simples e forte” o protesto dos artistas no tapete vermelho: “Faz eco à
revolta da personagem Clara, interpretada
por Sônia Braga.”
O Libération também adorou o filme de Kleber que deve
estrear no Brasil ainda no segundo semestre deste ano. O diário de
esquerda destaca que ele apresenta no filme um retrato magnífico dos males da
sociedade brasileira por meio da Clara “em
luta contra a ganância do capitalismo”. Para o Libé a atuação de Sônia Braga é “resplandecente”.
O crítico Luiz Joaquim, do
site www.cinemaescrito resume as confluências do filme de Glauber e de
Mendonça: “Assim como Deus e o diaboassombrou
a todos por mostrar o óbvio no que diz respeito a questões da reforma agrária
(e não apenas isso), tão em voga no Brasil daquele ano,Aquarius deverá encantar a todos em função de uma muito bem
delineada personagem feminina, sexagenária e determinada a nunca renunciar
àquilo que acredita ser o correto - mesmo que para isso precise lutar sozinha
contra um gigante milionário em recursos financeiros e políticos.”
“Soa familiar?” ele
pergunta.
Sim. É trágico viver para
ver que, 52 anos depois de Glauber, entre lutas, idas e vindas, recuos e
vitórias políticas e sociais progressistas, depois de tanto sofrimento, o povo
brasileiro, como a Clara do
pernambucano Kleber, é acossado pelo espírito da mesma malta que retorna
desavergonhada, para desmontar uma jovem democracia.
Resumindo, para O Público,
Aquarius é um filme
sensualíssimo, sereno e sinistro sobre a memória
ameaçada. Para a tradicional revista francesa Première, o cineasta
Kleber Mendonça Filho traçou uma crônica da sociedade brasileira com “ maestria
e uma melancolia impressionantes."
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