Os Festivais, o hotel Avenida e os anos dourados... (parte I)
Fotos: arquivo Google
Durante os dezoito anos que residi na capital paulistana a
época que guardo mais recordações, foi quando morei no hotel Avenida, na
Avenida Brigadeiro Luís Antonio, 339, no bairro da bela Vista, bem próximo ao
centro de São Paulo, quando me tornei “macaco de auditório” das três redes de
televisões, Record, Bandeirantes e Tupí, localizadas naquela Avenida. Eu era assíduo freqüentador do antigo teatro
Paramount, da Tv Record, na época áurea
dos famosos festivais da MPB e das belas tardes de domingo, dos anos dourados,
através do programa da “Jovem guarda”, apresentado pelo “Rei” Roberto Carlos, o
“tremendão” Erasmo Carlos e a “ternurinha” Wanderléa, que levava a
juventude ao delírio dançando o
iê,iê,iê...Era uma brasa, mora!
O Hotel Avenida, era instalado num prédio antigo arrendado
por um dentista, o Dr, Toledo e hospedava em torno de 200 pessoas oriundas de
quase todos os estados do Brasil, outras
do interior do estado de São Paulo e algumas de diversas nacionalidades, que migravam para
trabalhar e estudar na capital paulistana.
Apesar de comportar um grande número de hóspedes, o Avenida, dispunha
apenas de três funcionários: O Nelson, conhecido pelos hóspedes pelo apelido de
Nelcela que na ausencia do Dr.Toledo
assumia a Gerencia do hotel; o baiano Adevaldo que fazia a faxina nos quartos e
nos banheiros e o “Tio” Quincas, um
mineiro de quase setenta anos que trabalhava na vigilância noturna.
Eu morei mais de cinco anos no hotel Avenida, sendo três anos
no quarto de número 33, conhecido como o “Senadinho”, ou o QG da bagunça, onde
se reuniam dezenas de hóspedes para conversar sobre política, mulher e futebol, ou para uma roda de samba já que um dos
colegas do quarto o Aluizio “Pavão” tocava violão e cantava muito bem e no quarto
vizinho morava o Walteres, um dos quatro rapazes que saíram do Ceará para tentar a vida artística no Rio de Janeiro. Ele cantava e tocava violão
muito bem, porém, por ser o mais politizado do grupo e revoltado contra a falta
de liberdades, o Walteres, não seguiu os seus colegas Fagner, Ednardo e
Belchior. O quarto 33 hospedava três pessoas, o doutor Carlos Souza, um carioca, deficiente visual e advogado do
Jornal o “Estado” de São Paulo, o baiano
e estudante de direito, Aluizio “Pavão”
e a minha pessoa que na época trabalhava na
fábrica “Duque” e estudava no curso Diretriz, preparatório para suplência do
segundo grau.
Estávamos vivendo as conseqüências do Ato Institucional nº 5, baixado pelo regime
da Ditadura Militar que cerceava todas as formas de liberdades
de expressão, tornando a vida
muito chata, amarga, triste, e um clima pesado no ar, com os sentimentos
contidos e os gritos presos na garganta e a sensação de uma eterna noite escura
e mal dormida, inquietada pelo pavor de um pesadelo que nos atormentava mesmo
depois de acordados ao ser impulsionados para um labirinto cuja saída
apresentava-se imperceptível para os mortos em vida...
Por conta da rigidez da Lei do silencio, aos sábados á noite,
após às 22 horas, reuníamos um grupo de
amigos e íamos acampar no gramado do parque do Ibirapuera, levando nas nossas
mochilas, garrafas com caipirinha e muitas laranjas mexericas; nas costas, um
colchonete; um violão, embaixo do braço
e a cuca cheia de “bolinha”,
muita inspiração e a certeza de que a liberdade, a consciência política e a
coragem para transformar o mundo num lugar melhor para se amar, trabalhar e
viver em paz, são os maiores bens que o ser humano possui...
No quarto 33, do hotel Avenida, rolava de tudo um pouco,
menos orgia sexual, e numa única ocasião rolou uma sessão de masturbação
coletiva, depois que a Ditadura militar proibiu no Brasil, a exibição do filme
“ o Último Tango em Paris”, o Doutor Carlos Souza, conseguiu um exemplar do livro,
com uma francesa, que namorava com ele, e eu consegui através de uma amiga
Argentina, uma fita k-7 com as músicas do filme, e numa noite, enquanto o
Aluizio “pavão”, com um pente fino apertava um baseado e eu preparava a
caipirinha com “bolinhas” para fazer a cabeça da rapaziada, o “capitão”, em voz alta,
lia, a cena do filme em que o
Ator Marlon Brando faz uso da manteiga para estuprar e fazer sexo anal com a Atriz
Maria Schneider.
O Doutor Carlos Souza, um carioca brincalhão e muito gozador tinha
a mania de colocar apelidos nos colegas mais próximos ou algum hóspede que lhe
despertasse a atenção e por conta de um pileque que tomei e fiquei de “bode”,
totalmente descontrolado, e de peixieira em punho tentava brigar contra 3 colegas do trabalho,
o doutor Carlos, pôs-me o apelido de
“Mata três” e compôs um samba que dizia assim: “Eu quero ver o mata três de
bode, e o samba do gurufa cantar, chamando querubim pra
esta vida, até a Nê Terê chegar...
A Nê Terê, ou tê, uma
creolinha paulistana, que em seguida formou-se Advogada, foi uma namorada minha
durante dois anos e que na minha
companhia nos finais de semana, á noite,
freqüentávamos o bar “Chamego” na avenida Amaral Gurgel, um local onde
se encontravam estudantes e intelectuais de esquerda para conversar e “curtir”
o melhor da MPB, ao som do violão e a voz do Valdir Fonseca e da sua esposa
Marly. Aos domingos, pela manhã, íamos namorar no Horto florestal de São Paulo, ou no museu do ypiranga, às margens do
riacho onde o Imperador Dom Pedro Segundo declarou a independência do
Brasil!
Aos sábados, á tarde, O Antônio Feu Rosas, membro de
tradicional família de políticos da capital do Estado do Espírito Santo,
conseguia reunir uma grande colônia de capixabas e colegas de outros estados residentes
no hotel Avenida e numa caravana formada por vários veículos íamos ao campinho do Jardim Ângela, na zona sul de São
Paulo, para jogar nossa pelada de futebol de campo.
Escrito por Cláudio Lima
Café com Claudinha – recordações de 40 anos de militância
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