segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Os Festivais, o hotel Avenida e os anos dourados... (parte I)




Fotos:  arquivo Google

Durante os dezoito anos que residi na capital paulistana a época que guardo mais recordações, foi quando morei no hotel Avenida, na Avenida Brigadeiro Luís Antonio, 339, no bairro da bela Vista, bem próximo ao centro de São Paulo, quando me tornei “macaco de auditório” das três redes de televisões, Record, Bandeirantes e Tupí,  localizadas  naquela Avenida.  Eu era assíduo freqüentador do antigo teatro Paramount, da Tv Record, na época  áurea dos famosos festivais da MPB e das belas tardes de domingo, dos anos dourados, através do programa da “Jovem guarda”, apresentado pelo “Rei” Roberto Carlos, o “tremendão” Erasmo Carlos e a “ternurinha” Wanderléa, que levava a juventude  ao delírio dançando o iê,iê,iê...Era uma brasa, mora!



O Hotel Avenida, era instalado num prédio antigo arrendado por um dentista, o Dr, Toledo e hospedava em torno de 200 pessoas oriundas de quase todos os estados  do Brasil, outras do interior do estado de São Paulo e algumas  de diversas nacionalidades, que migravam para trabalhar e estudar na capital paulistana.



Apesar de comportar um grande número de hóspedes, o Avenida, dispunha apenas de três funcionários: O Nelson, conhecido pelos hóspedes pelo apelido de Nelcela  que na ausencia do Dr.Toledo assumia a Gerencia do hotel; o baiano Adevaldo que fazia a faxina nos quartos e nos banheiros e o “Tio” Quincas, um  mineiro de quase setenta anos que trabalhava na vigilância noturna.



Eu morei mais de cinco anos no hotel Avenida, sendo três anos no quarto de número 33, conhecido como o “Senadinho”, ou o QG da bagunça, onde se reuniam dezenas de hóspedes para conversar sobre política, mulher  e futebol,  ou para uma roda de samba já que um dos colegas  do quarto o Aluizio “Pavão”  tocava violão e cantava muito bem e no quarto vizinho morava o Walteres, um dos quatro rapazes que saíram do   Ceará para tentar a vida artística  no Rio de Janeiro. Ele cantava e tocava violão muito bem, porém, por ser o mais politizado do grupo e revoltado contra a falta de liberdades, o Walteres, não seguiu os seus colegas Fagner, Ednardo e Belchior. O quarto 33 hospedava três pessoas, o doutor Carlos Souza, um  carioca, deficiente visual e advogado do Jornal o “Estado” de São  Paulo, o baiano e estudante de direito, Aluizio “Pavão”   e  a  minha pessoa que na época trabalhava na fábrica “Duque” e estudava no curso Diretriz, preparatório para suplência do segundo grau.



Estávamos vivendo as conseqüências  do Ato Institucional nº 5, baixado pelo regime da Ditadura Militar que cerceava todas as formas de  liberdades  de  expressão, tornando  a  vida muito chata, amarga, triste, e um clima pesado no ar, com os sentimentos contidos e os gritos presos na garganta e a sensação de uma eterna noite escura e mal dormida, inquietada pelo pavor de um pesadelo que nos atormentava mesmo depois de acordados ao ser impulsionados para um labirinto cuja saída apresentava-se imperceptível para os mortos em vida...



Por conta da rigidez da Lei do silencio, aos sábados á noite, após às 22 horas,  reuníamos um grupo de amigos e íamos acampar no gramado do parque do Ibirapuera, levando nas nossas mochilas, garrafas com caipirinha  e  muitas laranjas mexericas; nas costas, um colchonete; um violão, embaixo do braço  e  a cuca cheia de “bolinha”, muita inspiração e a certeza de que a liberdade, a consciência política e a coragem para transformar o mundo num lugar melhor para se amar, trabalhar e viver em paz, são os  maiores  bens que o ser humano possui...



No quarto 33, do hotel Avenida, rolava de tudo um pouco, menos orgia sexual, e  numa  única ocasião rolou uma sessão de masturbação coletiva, depois que a Ditadura militar proibiu no Brasil, a exibição do filme “ o Último Tango em Paris”, o Doutor Carlos Souza, conseguiu um exemplar do livro, com uma francesa, que namorava com ele, e eu consegui através de uma amiga Argentina, uma fita k-7 com as músicas do filme, e numa noite, enquanto o Aluizio “pavão”, com um pente fino apertava um baseado e eu preparava a caipirinha com “bolinhas” para fazer a cabeça da rapaziada, o “capitão”,  em  voz  alta,  lia,  a cena do filme em que o Ator Marlon Brando faz uso da manteiga para estuprar e fazer sexo anal com  a Atriz  Maria Schneider.



O Doutor Carlos Souza, um carioca brincalhão e muito gozador tinha a mania de colocar apelidos nos colegas mais próximos ou algum hóspede que lhe despertasse a atenção e por conta de um pileque que tomei e fiquei de “bode”, totalmente descontrolado, e de peixieira em punho  tentava brigar contra 3 colegas do trabalho, o doutor Carlos, pôs-me  o apelido de “Mata três” e compôs um samba que dizia assim: “Eu quero ver o mata três de bode,  e o  samba do gurufa cantar, chamando querubim pra esta vida, até a Nê Terê  chegar...



A Nê  Terê, ou tê, uma creolinha paulistana, que em seguida formou-se Advogada, foi uma namorada minha durante dois anos e que  na minha companhia nos finais de semana, á noite,   freqüentávamos o bar “Chamego” na avenida Amaral Gurgel, um local onde se encontravam estudantes e intelectuais de esquerda para conversar e “curtir” o melhor da MPB, ao som do violão e a voz do Valdir Fonseca e da sua esposa Marly. Aos domingos, pela manhã, íamos namorar no Horto florestal  de  São  Paulo, ou no museu do ypiranga, às margens do riacho onde  o Imperador  Dom Pedro Segundo declarou a independência do Brasil!



Aos sábados, á tarde, O Antônio Feu Rosas, membro de tradicional família de políticos da capital do Estado do Espírito Santo, conseguia reunir uma grande colônia de capixabas e colegas de outros estados residentes no hotel Avenida e numa caravana formada por  vários veículos  íamos ao  campinho do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo,  para jogar  nossa pelada de futebol de campo. 



Escrito por Cláudio Lima


Café com Claudinha – recordações de 40 anos de militância


(Parte I)  

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