Prefeitura de Maricá espalhou placas para avisar sobre o trajeto do ônibus gratuito
A catraca, símbolo maior da cobrança de tarifa no transporte
público brasileiro, continua lá para registrar o número de passageiros.
Mas a cadeira do cobrador agora está vazia. Ninguém precisa pagar mais. É
assim desde 18 de dezembro do ano passado em Maricá, município
fluminense na Região dos Lagos. Há pouco mais de um mês,
a prefeitura local fundou a Empresa Pública de Transportes (EPT) e
instituiu o passe livre para todos. O objetivo, o prefeito Washington
Quaquá (PT-RJ) admite, é “quebrar o monopólio” das empresas que detêm o
serviço há pelo menos 25 anos na cidade.
Primeiro município brasileiro com mais de 100 mil habitantes a
oferecer ônibus gratuito, Maricá é palco de uma verdadeira queda de
braço entre o poder público e os empresários de transporte. Isso porque a
implantação da tarifa zero se deu ao mesmo tempo em que as duas
empresas privadas de transportes da cidade continuam tendo concessão
para operar com cobrança de passagem. Por isso, desde o fim do ano
passado, os usuários têm à disposição tanto os ônibus que cobram tarifa,
com valor mínimo de 2,70 reais, quanto os gratuitos, da Prefeitura de
Maricá, sendo que ambos fazem trajetos semelhantes.
“Nós estamos quebrando um monopólio de uma família sobre um setor
econômico da cidade”, afirma o prefeito ao citar a maior empresa da
região, a Viação Nossa Senhora do Amparo, que há mais de 40 anos
controla tanto o transporte municipal como o intermunicipal. A outra
empresa é a Costa Leste que, apesar de menor, já possui concessão há 25
anos. Quaquá não esconde que a sua briga é mesmo com a Viação Amparo.
“Eles eram os donos da cidade. Quando eu saí de uma favela de Niterói
com nove anos de idade e vim morar aqui, eles eram os coronéis.
Mandavam, desmandavam, matavam, só não faziam viver”, acusa o petista.
“Eles financiaram meus adversários. Então, a primeira vez que um
prefeito rompeu com o monopólio deles foi quando ganhei a eleição. (...)
Já era para eles”, diz sem hesitar.
No cargo desde 2008, Quaquá é um dos fundadores do PT na cidade e o
atual presidente estadual do partido no Rio de Janeiro. Conhecido por
ser de uma corrente mais à esquerda, Quaquá fez parte da sua campanha
eleitoral focando na disputa com os empresários do transporte. “Maricá é
bonita demais para ser controlada por uma empresa de ônibus”, dizia o
slogan político. “Essa Constituição estabelece que transporte é serviço
público que pode, pode [repete] ser concedido. A lógica de Maricá é a
seguinte: o serviço será público e gratuito”, garante.
Após conquistar a reeleição, Quaquá colocou a proposta em prática.
Impossibilitado de romper os contratos de concessão com as duas empresas
de transporte da cidade, já que ambos foram renovados em 2005, com
duração até 2020, o prefeito começou os estudos para criar uma empresa
com tarifa popular. O objetivo era iniciar a operação com passagem em
torno dedois reais para, progressivamente, reduzir até a tarifa
zero. Mas a ideia esbarrou em entraves jurídicos. A solução foi fundar
uma autarquia municipal e implantar a tarifa zero desde o início.
De onde vem o dinheiro?
Depois da criação da autarquia, a prefeitura investiu aproximadamente
5 milhões de reais, comprou dez ônibus e contratou 29 motoristas por
meio de concurso público, em caráter temporário, por 12 meses. No total,
a EPT já tem 90 funcionários, que trabalham exclusivamente para o
funcionamento das quatro linhas de ônibus. Os veículos atendem do bairro
Recanto à Ponta Negra, nas extremidades do município, 24 horas por dia e
nos finais de semana. Todos os veículos comprados pela cidade têm ar
condicionado e elevador para deficientes físicos nas portas.
“Nós vamos comprar mais 20 ônibus, provavelmente ônibus elétricos,
sem emissão de carbono, que funcione a energia solar”, explica Quaquá.
Os recursos para manter todo esse sistema são provenientes da verba que o
município tem direito em função dos royalties do petróleo. No ano
passado, por exemplo, Maricá recebeu repasses que totalizaram 220
milhões de reais, segundo o Portal da Transparência da cidade.
Em um mês de funcionamento, com os dez ônibus, a operação custou
aproximadamente 700 mil reais, mas a ideia é que o gasto suba para 1,5
milhão de reais por mês, quando a empresa tiver capacidade de concorrer
com as empresas privadas. Isso porque o objetivo é que Maricá tenha
autonomia para garantir o transporte dos moradores independentemente de
concessão.
O plano de Quaquá provocou uma reação imediata dos empresários. Menos
de dez dias depois de os ônibus começarem a circular pelas ruas de
Maricá, as empresas deram entrada em uma liminar na 5ª Vara Civil da
Comarca de São Gonçalo para impedir o funcionamento da Empresa Pública
de Transportes (EPT). O pedido não foi aceito pela Justiça.
Os empresários reclamam pois a prefeitura não paga o subsídio
previsto em contrato desde que Quaquá assumiu o cargo, há sete anos.
Pelo documento, as empresas Costa Leste e Viação Amparou devem
receber da Prefeitura de Maricá o valor da passagem de cada
usuário com direito à gratuidade (estimado em 120 mil pela Costa Leste),
como idosos e estudantes de escola pública. “Não pago nada”, diz o
petista. “Esses dias eu vi que eles estão cobrando na Justiça 13 milhões
de reais. Você imagina: com esse dinheiro eu garanto dois anos de
empresa gratuita para todos. Eles estão acostumados com poder público
que não controla, não fiscaliza. Agora nós temos a planilha e estamos
abrindo a planilha”, enfatiza.
Além da guerra judicial, o prefeito ainda aprovou no ano passado
uma lei que mudava o nome da rodoviária da cidade. Até então, o local
era conhecido como Terminal Rodoviário Jacintho Luiz Caetano, em
referência justamente ao nome do fundador da Viação Amparo. Quaquá
renomeou o local para “Terminal Rodoviário do Povo de Maricá". O busto
de Caetano que ficava na entrada do terminal ainda foi removido e
devolvido para a família.
A opinião da população
CartaCapital acompanhou por dois dias o
funcionamento e a circulação dos ônibus gratuitos da cidade. Apesar de
ter anunciado ônibus de 20 em 20 minutos, os dez veículos da Prefeitura
de Maricá que estão em circulação ainda não conseguem cumprir a mesma
pontualidade das empresas privadas, todos os dias. Quando alguns
motoristas estão de folga, o tempo de espera pode levar de 40
minutos a uma hora.
“Gratuito é bom para o povo, né. Acho que tinha que ter mais
[ônibus]. Por um lado é gratuito, mas, por outro, a gente tem que ficar
esperando meia hora, 40 minutos”, alerta o segurança Diego Silva, de 27
anos.
A explicação, segundo o presidente da EPT, Luiz Carlos dos Santos, é o
tamanho da cidade. Apesar de ter aproximadamente 127 mil habitantes,
Maricá tem uma extensão de 363 quilômetros quadrados. O município é
maior, por exemplo, do que cidades como Guarulhos, na região
metropolitana de São Paulo, com uma população de mais de 1,2 milhão de
pessoas. E o dobro do tamanho da vizinha Niterói (RJ), que tem quase 500
mil habitantes. Por conta disso, os ônibus gastam aproximadamente 1h30
para fazer todo o percurso e voltar para a rodoviária da cidade. Segundo
Santos, a tendência é que a circulação se normalize com a chegada dos
novos ônibus.
Mas, mesmo com a demora em alguns dias da semana, os usuários
fazem fila para esperar o “Vermelhinho”, como já ficou conhecido o
ônibus gratuito em função de sua cor (os ônibus da Costa Leste e da
Viação Amparo são pintados em tons de azul). Na última terça-feira 27,
por exemplo, a reportagem contou 27 pessoas à espera de uma linha
sentido Ponta Negra, a área turística da cidade, e outras 21 pessoas na
fila para embarcar para o bairro de Itaipuaçu, por volta das 15h, na
rodoviária. No mesmo horário, o ônibus da Costa Leste que faz trajeto
parecido e cobra 2,70 reais aguardava vazio o embarque de passageiros.
A Costa Leste admitiu que a medida vem tendo “grande impacto” no número
de usuários do sistema, mas não deu mais informações. A Viação Amparo
não retornou os pedidos de entrevista da reportagem.
“Para a gente foi muito útil, as passagens aqui em Maricá
são muito caras. Para um trecho curtinho, você já paga três reais para
ir e três reais para voltar. Por exemplo, um casal e duas crianças, você
já vai pagar um preço absurdo. Tem família aqui que não conseguia ir à
praia porque não tinha condições de pagar um ônibus. Com esse dinheiro
já dá para comprar um pão, ou um leite para as crianças”, conta a dona
de casa Marilza Marques, de 63 anos, durante uma das viagens.
Desde que começou a operar, em pouco mais de um mês, os ônibus
gratuitos já transportaram mais de 200 mil passageiros. A Prefeitura de
Maricá estima que já esteja atendendo 70% da população. A gratuidade fez
até com que moradores de cidades vizinhas pudessem começar a frequentar
as praias de Maricá. “Onde a gente mora é supertranquilo. Agora começou
a vir um povo de São Gonçalo para as praias. Eles não consomem nada. O
pessoal do quiosque reclama também”, critica uma professora que não quis
se identificar, enquanto espera o ônibus gratuito.
A Prefeitura espera ainda que o dinheiro, antes aplicado na passagem,
comece a ser injetado no comércio da região. Como o ônibus funciona
também de madrugada, as lojas próximas à rodoviária passaram a estender o
horário de atendimento. “É um retorno que a prefeitura vem dando para o
povo. O povo não ganha nunca nada. Agora tem ar condicionado, serviço
de qualidade”, conta o empresário Luiz Carlos Souza. “Eu estou
economizando esse dinheiro para fazer um sacolão
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