No último dia 1º de Fevereiro comemoramos 79º aniversário de Lélia Gonzalez, ícone da luta antirracista e feminista no Brasil.
Lembrar a memória e a história de luta desta destemida mulher negra é
necessário sobretudo para que sua imagem e exemplo sirvam de inspiração
para a juventude brasileira.
Meus queridos amigos Flavia Rios e Alex Ratts,
autores da biografia de Lélia Gonzalez, publicada pela Selo
Negro/Summus, em 2010, nos trazem essa importante contribuição no artigo
abaixo.
Tornar-se negra, intelectual e ativista: percursos de Lélia Gonzalez
Em tempos de intensos protestos e mobilização por todo o país, é
necessário trazer à tona a referência de uma grande personagem, que
esteve no furacão das lutas pela democratização do Brasil.
Intelectual,
feminista e militante do movimento negro brasileiro, Lélia Gonzalez
(1935-1994) nos legou vários dos temas que ainda agitam as
reivindicações políticas brasileiras e levam milhares de pessoas às
ruas.
Lélia de Almeida nasceu em primeiro de fevereiro de 1935 em Belo
Horizonte e ainda criança migrou com a extensa família para o Rio de
Janeiro, então capital do país, sob a proteção financeira do irmão mais
velho, Jorge, jogador do time do Flamengo. Fez duas graduações na
Universidade da Guanabara e tornou-se professora secundária,
posteriormente seguiu a carreira docente, ocupando cadeiras em
importantes estabelecimentos de ensino superior fluminenses, a exemplo
da PUC/Rio e UERJ.
Como estudante e professora experimentou ascensão social via formas
expressas de embranquecimento: realizou um casamento inter-racial, do
qual vem o sobrenome Gonzalez; na escola aprendeu os gostos das classes
médias e seu estilo de vida; fez amigos no seio do estrato médio carioca
e adotou sua forma de viver, como o gosto pela bossa nova, a
preferência por roupas e cortes de cabelo à moda “dos anos dourados”,
incluindo o alisamento capilar e o uso de perucas. Era uma forte
candidata ao ingresso no “mundo dos brancos” – parafraseando Florestan
Fernandes.
Defrontada com a recusa e a rejeição ao seu matrimônio, sua
experiência pessoal com o preconceito e a discriminação e a aproximação
com a militância negra que se reorganizava no Rio de Janeiro pode ser
entendida como parte das motivações que a levaram a ingressar na luta
política. Em que pesem essas dimensões subjetivas para o seu engajamento
político, o pensamento da autora é devedor, sobretudo, da rede de
movimentos sociais em que se engajou em meados dos anos de 1970, época
em que Lélia Gonzalez iniciou seus primeiros escritos. Ao lado de Abdias
Nascimento e em paralelo com Beatriz Nascimento dentre outros(as)
intelectuais ativistas negros(as), Lélia Gonzalez teve uma atuação
nacional e internacional passando por países africanos, europeus e pelos
Estados Unidos.
O racismo foi, pois, uma experiência que a enegreceu, ou, como ela
gostava de dizer acerca das relações raciais em seu país natal: não se
nasce negro, torna-se: “a gente nasce preta, mulata, parda, marrom,
roxinha dentre outras, mas tornar-se negra é uma conquista”. Ao
parafrasear Simone de Beauvoir, antes recriada por Neuza Santos Sousa no
livro “Tornar-se negro”, Gonzalez a um só tempo nos propõe uma versão
não essencialista da raça − mostrando a possibilidade de reclassificação
social − e revela a dificuldade de se tornar e ser negro(a) num país
que apregoa a democracia racial, ao mesmo tempo em que propaga o
branqueamento social e estabelece lugares sociais segregados com base em
atributos adscritos por cor, sexo e condição de classe.
Seu trabalho intelectual foi marcado pela produção sobre a mulher
negra, no qual conseguia explorar os significados sociais, ocupacionais e
culturais relativos à naturalização das relações entre classe, raça,
gênero e espaço. Por outro lado, Gonzalez não se cansou de denunciar as
experiências diferenciadas de racismo por gênero e apontou a
discriminação vivenciada pelos homens negros, apreendidos por lógicas de
controle e dominação social, que envolvem desde violenta repressão
policial até o extermínio físico.
Foi justamente essa postura de desnaturalização que tornou seu
discurso e suas práticas irreverentes até mesmo para os círculos
políticos mais progressistas que frequentava, especialmente a imprensa
alternativa, os movimentos feminista, negro, de mulheres negras e
homossexual. Nesse sentido, a trajetória e pensamento de Lélia Gonzalez
têm muito a dizer sobre a perspectiva contra-hegemônica que ajudou a
construir no Brasil.
* Alex Ratts, antropólogo, e Flavia Rios, socióloga, escreveram a
biografia de Lélia Gonzalez, publicada pela Selo Negro/Summus, em
2010.
O livro “Lélia Gonzalez” pode ser encontrado no site da livraria
cultura e de outras grandes livrarias, Há também em e-books, em
livrarias como a Kitabo, no RJ e em sebos virtuais.
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