Deu uma de Gilmar
E a ministra do STF, Carmen Lúcia, não resistiu à tentação medíocre de
fazer política enquanto exercia o seu dever de julgar que deveria ser
amparado exclusivamente pelo que rege a nossa Constituição Federal.
No seu voto na segunda turma do STF que decidia sobre a
prisão do senador Delcídio do Amaral, a excelentíssima ministra resolveu
navegar no pantanoso universo paralelo onde a isenção de juízo de valor
por parte do magistrado dá lugar às suas mais íntimas impressões
pessoais.
De todos os desvios jurídicos possíveis, que não são poucos, o mais
grave e, paradoxalmente, um dos mais comuns, é a influência que as
posições políticas pessoais dos juízes podem exercer sobre os
entendimentos da lei, e consequentemente sobre as decisões que são
tomadas, dependendo de quem sejam os réus.
Não que seja o caso específico de Delcídio, afinal de contas a sua
prisão foi autorizada por unanimidade sob fortes indícios de tentativa
de atrapalhar as investigações. Mas seja como for, é assombroso o fato
de uma ministra do STF utilizar-se do seu voto para expressar a sua
opinião particular sobre assuntos que em nada remetiam ao caso.
Completamente dissonante com o que estava em pauta, Carmen Lúcia
emendou que “houve um momento em que a maioria de nós brasileiros
acreditou no mote de que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos
deparamos com a ação penal 470 e descobrimos que o cinismo venceu a
esperança. E agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo”.
Por um momento a ministra esqueceu inteiramente o que estava fazendo
ali e poderia ser confundida facilmente com qualquer um de nossa vasta
diversidade de políticos hipócritas e demagogos em plena campanha
eleitoral. Por um momento a ministra desconheceu que estava julgando
indivíduos e passou a discursar em prol de um modelo político de sua
preferência, que a rigor, não interessa a mais ninguém que não seja ela
própria.
Esse tipo de atitude que envergonha e diminui o Supremo Tribunal
Federal e por representação, toda a justiça, faz parte de uma mazela
judicial que em boa medida é causada pelos sempre solícitos holofotes da
grande mídia nacional que não cansam de agraciar a todos aqueles que
utilizem os seus cargos de destaque para politizar os eventos ao seu
alcance. Gilmar Mendes que o diga.
Não é por acaso que esse único trecho de tudo que foi dito ali por
todos os ministros, foi exatamente o de maior repercussão nos grandes
veículos da imprensa. Até mesmo as justificativas jurídicas utilizadas
para autorizar pela primeira vez na história a prisão de um senador no
pleno exercício de seu mandato foi posto em segundo plano. Como tudo que
oscila em torno da operação Lava Jato, o fator político foi colocado
acima dos fatores jurídicos.
Curioso notar que Carmen Lúcia dá prosseguimento e sustentação ao
estilo deplorável que tanto notabilizou o ex-ministro Joaquim Barbosa. A
primeira, a exemplo do segundo, parece querer fazer do Supremo Tribunal
Federal uma casa de justiciamento onde tudo é válido para que se
imponha uma moral no mínimo duvidosa.
As semelhanças entre os dois não param por aí, a despeito de suas
inquestionavelmente brilhantes carreiras jurídicas, a chegada de ambos
ao apogeu do direito só foi possível graças ao sentimento democrático do
ex-presidente Lula ao querer diversificar o então racista e machista
quadro de ministros do STF.
Se Joaquim Barbosa foi o primeiro negro a ocupar a presidência do
STF, Carmen Lúcia passou a ser em 2006, a segunda mulher na história a
fazer parte do seleto grupo de juízes que tem por obrigação efetuar a
guarda da Constituição Brasileira. Tanto um quanto outro, nomeados por
Lula.
Joaquim Barbosa, inebriado por sua arrogância, saiu do STF como o
mais incapaz de conduzir uma instituição democrática pela opinião de
seus pares. Talvez seja o momento da ministra Carmen Lúcia refletir
sobre seus atos para que mais essa coincidência não lhe seja imputada.
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Sobre o Autor
Economista
com MBA na PUC-Rio, Carlos Fernandes trabalha na direção geral de uma
das maiores instituições financeiras da América Latina
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