terça-feira, 11 de outubro de 2016

O PC do B, e a Causa Perdida...

Uma semana antes da fundação da Associação Central dos Moradores  da favela Heliópolis, recebi a visita da Lúcia Veríssimo, companheira do Rogério Lustosa, secretário de propaganda do comitê Central do PC  do B, que veio  convidar-me para  participar  de uma reunião  num aparelho clandestino  do PC do B, na vila Prudente, para conversar com o “Gordo”, secretário  da  Conam para  tentar  reverter  a intenção dos moradores de votar no Otávio  para presidente da Associação, pelo fato  dele se considerar mais preparado do que eu para assumir  o cargo  mesmo sem   ter nenhum serviço prestado  e  nem participado de nenhuma luta ao lado dos moradores.


A  Associação Central dos Moradores do Heliópolis, foi fundada no dia 29 de julho, de 1984, motivada por um “Racha”  na Comissão de Moradores, protagonizado pela minha pessoa em represália  ao fato de ter sido  expulso da comissão por haver proferido um discurso numa Assembléia Geral pela posse da terra, afirmando que "o povo deveria  está unido e organizado não somente para lutar pela  posse da terra, mas, também,  pelo fim do Regime Militar e pelas “Diretas, já!” para presidente da República"


A Comissão de Moradores da Favela Heliópolis era formada por 100 moradores da favela e contava com uma comissão de apoio formada por Padres, Seminaristas, políticos e dezenas de militantes da Pastoral das Favelas de São  Paulo e dos movimentos sociais, todos identificados com o Partido dos Trabalhadores, recém criado, e que não apoiava  a campanha  das  “Diretas, já!” por entenderem que só deveria acontecer eleição direta para presidente da República  após a promulgação de uma nova Constituição para o País!


Revoltado pela  minha expulsão injusta da Comissão de Moradores, sem  que houvesse praticado qualquer ato que desabonasse a minha conduta, resolvi “rachar” o movimento e fundar uma Associação de moradores contrariando a orientação das lideranças da área e como se fosse uma briga da formiguinha contra o elefante, convocamos uma Assembléia Geral para fundar a entidade, quando fomos surpreendidos por centenas de militantes do PT posicionados como se fosse uma batalha campal, tendo alguns deles “invadido”  o palanque improvisado por tijolos e tabuas de  uma construção e ao tentar arrebatar o microfone  da minha mão caímos do palanque dispersando a Assembléia.


Alguns dias após iniciamos a capinação de um terreno baldio para a construção da sede da entidade quando surgiu um individuo de arma em punho, dizendo-se ser o dono do  terreno, obrigando-nos a  retirarmos  do local, no entanto, eu permaneci, porque sabia que se eu corresse morreria ali o sonho de fundar a nossa Associação de moradores, e se eu fosse assassinado me tornaria um “mártir” e surgiria alguém disposto a resgatar o legado  e prosseguir com o nosso objetivo, quando  após dez minutos de ameaças e xingamentos por parte do individuo, surgiu a mulher dele pedindo para que o mesmo se acalmasse e indagou-me porque  estava querendo “invadir” o terreno do marido  dela? Eu respondi que  pretendia  construir uma creche e uma Associação de Moradores, e ela apontando o polegar direito sinalizando que achava legal abraçou-se ao marido e saiu conduzindo-o para o barraco deles...


Ao ser informado que o terreno havia sido liberado para a construção da sede da Associação, procurei as pessoas  para capinar o terreno, mas todos se negaram  com medo do individuo, então resolvi formar uma nova comissão   e fomos procurar o Administrador Regional da Prefeitura do Ipiranga e marcamos uma reunião com ele e o Vereador do bairro, Almir Guimarães, do MDB, e logo  após a reunião realizada na favela, a prefeitura capinou e terraplanou o terreno e fez a doação de todo material eu meu nome e no nome da Norma Nascimento,  para a construção da sede   num mutirão  gigante com várias   pessoas trabalhando em apenas dois dias  a sede da entidade  foi construída.


Numa quarta-feira, cinzenta e fria, com os termômetros marcando 9 graus, ás 18 horas, no aparelho clandestino do PC do B, na vila  Prudente de Morais, durante uma hora, relatei para o “Gordo” a minha participação nas lutas pela posse da terra e urbanização da favela Heliópolis, e as batalhas travadas para  a construção de  uma Associação de Moradores da localidade e, de repente, o surgimento do Otávio, que não participou  de nada, e se arvorando por ser diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São  Paulo e ex-preso político, conquistou à simpatia dos moradores para ser indicado presidente da Associação, e construído uma chapa formada pelos filhos e alguns amigos dele e me deixava  de fora da Diretoria da entidade.


Após ouvir o meu relato, o “gordo”, acompanhou-me até o ponto do ônibus, tendo antes entrado num barzinho e pedido dois “Rabos de Galo” e dois torresmos e uma Antártica para “lavar”,  e, em apenas um minuto, ele apontou-me, a proposta que eu deveria apresentar na “Convenção”  para reverter a situação... 



Ao chegar a favela Heliópolis  a  companheira Norma Nascimento  avisou-me que o Otávio já havia aberto a convenção e estava prestes a iniciar a votação para a indicação do presidente, então apressei os passos e adentrei ao recinto com o braço esquerdo erguido  para o alto e o  punho cerrado, numa postura revolucionária, iniciando um discurso,  em alto e bom som, com uma dicção, impostação da voz e expressão corporal correta, que abafava  a fala do Otávio e   atraia a atenção das pessoas presentes,  enquanto me  dirigia à mesa de trabalhos,  olhando nos olhos das pessoas,  relembrei todas as lutas e as conquistas da qual havia participado e sempre citando o nome das outras pessoas que também participaram comigo, quando, o Ivair, um jovem de 18 anos, que sempre pedia para acompanhar-me nas lutas, passeatas, piquetes e greves, emocionou-se, com o meu discurso, e cambaleando em minha direção, puxou  uma  palavra de ordem “ Heliópolis, Urgente, o Cláudio, é o nosso presidente!” e ao aproximar-se de mim, o Ivair, atirou-se em meus braços desmaiado, me deixando apavorado porque não conseguia segurar o corpo dele  quando algumas pessoas carregaram  o corpo do Ivair para reanimá-lo  e naquele transe,  eu também não agüentei a emoção e comecei a chorar, quando as pessoas presentes batendo palmas cantaram a palavra de ordem “puxada” pelo Ivair...


Ao ver esta cena, o Otávio, fugiu pela porta dos fundos, me xingando, enquanto eu percebendo que havia recuperado o comando “puxei”  a  palavra de ordem  “O povo unido, jamais será vencido!” e agradecendo a todos pelo  reconhecimento do nosso trabalho, convidei os companheiros e companheiras que participavam das batalhas pela bem da comunidade  para se postarem ao meu lado e propus aos  convencionais que aprovassem o nome deles para compor a Primeira Diretoria da Associação.


E, assim, sob a orientação politicamente correta do PC do B, conseguimos reverter uma causa perdida...


Escrito por Cláudio Lima.
Café com Claudinha – recordações de 40 anos de militância  

Um comentário:

  1. olha aí,essa sim é a verdadeira historia, retrato fiel daslutas mileneras dos povos pelo direito de serem tratados com dignidade infelizmente algumas falsas lideranças populares deixaram se perder a grande oportunidade que esse país teve de ser dos brasileiros e para os brasileiros eu agradeço aos deuses por ter vivido e feito parte dessa historia mas companheiros a luta continua...

    ResponderExcluir