O PC do B, e a Causa Perdida...
Uma semana antes da fundação da
Associação Central dos Moradores da favela Heliópolis, recebi a visita da
Lúcia Veríssimo, companheira do Rogério Lustosa, secretário de propaganda do
comitê Central do PC do B, que veio convidar-me para participar
de uma reunião num aparelho clandestino do PC do B, na vila
Prudente, para conversar com o “Gordo”, secretário da Conam
para tentar reverter a intenção dos moradores de
votar no Otávio para presidente da Associação, pelo fato dele se
considerar mais preparado do que eu para assumir o cargo mesmo sem ter nenhum
serviço prestado e nem participado de nenhuma luta ao lado dos
moradores.
A Associação Central dos Moradores do Heliópolis, foi fundada no
dia 29 de julho, de 1984, motivada por um “Racha” na Comissão de
Moradores, protagonizado pela minha pessoa em represália ao fato de ter
sido expulso da comissão por haver proferido um discurso numa Assembléia
Geral pela posse da terra, afirmando que "o povo deveria está unido
e organizado não somente para lutar pela posse da terra, mas,
também, pelo fim do Regime Militar e pelas “Diretas, já!” para presidente
da República"
A Comissão de Moradores da Favela Heliópolis era
formada por 100 moradores da favela e contava com uma comissão de apoio formada
por Padres, Seminaristas, políticos e dezenas de militantes da Pastoral das
Favelas de São Paulo e dos movimentos sociais, todos identificados com o
Partido dos Trabalhadores, recém criado, e que não apoiava a
campanha das “Diretas, já!” por entenderem que só deveria acontecer
eleição direta para presidente da República após a promulgação de uma
nova Constituição para o País!
Revoltado pela minha expulsão injusta da Comissão de Moradores,
sem que houvesse praticado qualquer ato que desabonasse a minha
conduta, resolvi “rachar” o movimento e fundar uma Associação de moradores
contrariando a orientação das lideranças da área e como se fosse uma briga da
formiguinha contra o elefante, convocamos uma Assembléia Geral para fundar a
entidade, quando fomos surpreendidos por centenas de militantes do PT
posicionados como se fosse uma batalha campal, tendo alguns deles
“invadido” o palanque improvisado por tijolos e tabuas
de uma construção e ao tentar arrebatar o microfone da minha mão caímos do palanque
dispersando a Assembléia.
Alguns dias após iniciamos a capinação de um terreno baldio para a construção da sede da entidade quando surgiu um individuo de arma em punho, dizendo-se ser o dono do terreno, obrigando-nos a retirarmos do local, no entanto, eu permaneci, porque sabia que se eu corresse morreria ali o sonho de fundar a nossa Associação de moradores, e se eu fosse assassinado me tornaria um “mártir” e surgiria alguém disposto a resgatar o legado e prosseguir com o nosso objetivo, quando após dez minutos de ameaças e xingamentos por parte do individuo, surgiu a mulher dele pedindo para que o mesmo se acalmasse e indagou-me porque estava querendo “invadir” o terreno do marido dela? Eu respondi que pretendia construir uma creche e uma Associação de Moradores, e ela apontando o polegar direito sinalizando que achava legal abraçou-se ao marido e saiu conduzindo-o para o barraco deles...
Ao ser informado que o terreno havia
sido liberado para a construção da sede da Associação, procurei as
pessoas para capinar o terreno, mas todos se negaram com medo do
individuo, então resolvi formar uma nova comissão e fomos procurar o
Administrador Regional da Prefeitura do Ipiranga e marcamos uma reunião com ele
e o Vereador do bairro, Almir Guimarães, do MDB, e logo após a reunião
realizada na favela, a prefeitura capinou e terraplanou o terreno e fez a
doação de todo material eu meu nome e no nome da Norma Nascimento, para a construção da sede num mutirão gigante com
várias pessoas trabalhando em apenas dois dias a sede da
entidade foi construída.
Numa quarta-feira, cinzenta e fria, com os termômetros
marcando 9 graus, ás 18 horas, no aparelho clandestino do PC do B, na vila Prudente de Morais, durante uma hora, relatei
para o “Gordo” a minha participação nas lutas pela posse da terra e urbanização
da favela Heliópolis, e as batalhas travadas para a construção de uma Associação de Moradores da localidade e,
de repente, o surgimento do Otávio, que não participou de nada, e se arvorando por ser diretor do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo
e ex-preso político, conquistou à simpatia dos moradores para ser indicado
presidente da Associação, e construído uma chapa formada pelos filhos e alguns
amigos dele e me deixava de fora da Diretoria
da entidade.
Após ouvir o meu relato, o “gordo”, acompanhou-me até o ponto
do ônibus, tendo antes entrado num barzinho e pedido dois “Rabos de Galo” e
dois torresmos e uma Antártica para “lavar”, e, em apenas um minuto, ele apontou-me, a
proposta que eu deveria apresentar na “Convenção” para reverter a situação...
Ao chegar a favela Heliópolis
a companheira Norma
Nascimento avisou-me que o Otávio já
havia aberto a convenção e estava prestes a iniciar a votação para a indicação
do presidente, então apressei os passos e adentrei ao recinto com o braço
esquerdo erguido para o alto e o punho cerrado, numa postura revolucionária,
iniciando um discurso, em alto e bom
som, com uma dicção, impostação da voz e expressão corporal correta, que
abafava a fala do Otávio e atraia a atenção das pessoas presentes, enquanto me
dirigia à mesa de trabalhos,
olhando nos olhos das pessoas,
relembrei todas as lutas e as conquistas da qual havia participado e
sempre citando o nome das outras pessoas que também participaram comigo, quando, o Ivair, um jovem de 18 anos, que sempre pedia
para acompanhar-me nas lutas, passeatas, piquetes e greves, emocionou-se, com o
meu discurso, e cambaleando em minha direção, puxou uma
palavra de ordem “ Heliópolis, Urgente, o Cláudio, é o nosso
presidente!” e ao aproximar-se de mim, o Ivair, atirou-se em meus braços
desmaiado, me deixando apavorado porque não conseguia segurar o corpo dele quando algumas pessoas carregaram o corpo do Ivair para reanimá-lo e naquele transe, eu também não agüentei a emoção e comecei a
chorar, quando as pessoas presentes batendo palmas cantaram a palavra de ordem
“puxada” pelo Ivair...
Ao ver esta cena, o
Otávio, fugiu pela porta dos fundos, me xingando, enquanto eu percebendo que
havia recuperado o comando “puxei”
a palavra de ordem “O povo unido, jamais será vencido!” e
agradecendo a todos pelo reconhecimento
do nosso trabalho, convidei os companheiros e companheiras que participavam das
batalhas pela bem da comunidade para se
postarem ao meu lado e propus aos
convencionais que aprovassem o nome deles para compor a Primeira Diretoria
da Associação.
E, assim, sob a
orientação politicamente correta do PC do B, conseguimos reverter uma causa
perdida...
Escrito por Cláudio Lima.
Café com Claudinha – recordações de 40 anos de militância
olha aí,essa sim é a verdadeira historia, retrato fiel daslutas mileneras dos povos pelo direito de serem tratados com dignidade infelizmente algumas falsas lideranças populares deixaram se perder a grande oportunidade que esse país teve de ser dos brasileiros e para os brasileiros eu agradeço aos deuses por ter vivido e feito parte dessa historia mas companheiros a luta continua...
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